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Coronavírus: Médico de Petrolina defende isolamento apenas para grupos de risco neste momento


Anderson Armstrong, conceituado médico cardiologista atuante em Petrolina (PE), deixa sua opinião e visão em torno das medidas de combate ao novo coronavírus (Covid-19) em sua rede social. Dentre várias premissas, ele defende que o isolamento vertical (grupos de risco formado por idosos e pessoas com doenças crônicas) poderia ter sido adotado primeiro, já que a cidade não chegou ainda à fase 3 do Covid-19 (quando ocorre a transmissão comunitária, ou seja, a pessoa adoece sem saber de quem se contaminou).

Confiram:
Aos que cobram detalhamento sobre minha opinião acerca das medidas de enfrentamento ao COVID-19. Comente esta matéria em nosso facebook.
Antes de qualquer coisa, eu só queria deixar claro que minha opinião não traz ideário político-partidário em absoluto. Eu vinha dando minha opinião a esse respeito e enfrentando reações que para mim possuem claro viés político-partidário, o que infelizmente vem sendo a regra neste cenário polarizado que o Brasil e boa parte do mundo vivem.
Tenho sido muito cobrado por opinião, considerando que há anos dou aula de epidemiologia no mestrado e doutorado tanto da Uneb quanto da Univasf. Apesar de meu foco científico ser em Epidemiologia Cardiovascular, a epidemia do COVID tem demonstrado oportunidade única de reflexão de vários dos princípios epidemiológicos. Vou tentar detalhar minha opinião pessoal, com base no conhecimento que tenho.
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Minha opinião é que nós, médicos, praticamos a ciência da incerteza, da probabilidade. Seja no atendimento individual ou nas condutas epidemiológicas, temos que trabalhar em cima de parâmetros técnicos, mas precisamos ser profissionais capazes de nos sentirmos confortáveis de conviver e operar na incerteza. Esse é um momento de grande incerteza. Quem alegar que tem a solução absoluta está mentindo!

Tem sido divulgado na mídia que o isolamento social horizontal (em que todos ficam isolados) é a única forma de enfrentamento da epidemia. Também vem sendo propagado que essas medidas são consenso absoluto na comunidade científica. Nenhuma dessas ideias é real. Essa epidemia é única em tantos aspectos que não há evidências científicas a serem utilizadas como fontes absolutas de condutas.

O isolamento horizontal, em que todos são postos em quarentena, é uma arma no “arsenal terapêutico” da epidemia. Mas precisa ser colocada como opção em situações específicas e com objetivos específicos. A tendência atualmente é usar o isolamento para impedir o adoecimento em massa e colapso do sistema de saúde. Dessa forma, não seria tentar impedir que a doença chegasse, e sim tentar fazer com que as pessoas adoecessem aos poucos, depois que o vírus já estivesse circulando na população. No entanto, Petrolina começou isolamento antes de ter o primeiro caso confirmado. Cidades aqui no Sertão (como Belém do São Francisco) nem têm caso suspeito e já adotaram o isolamento social horizontal.

Eu tenho pontuado que uma medida dessa natureza (assim como uma medicação) tem efeitos colaterais nocivos. No caso do isolamento, desemprego, perda de renda, recessão… esses efeitos maléficos já começaram no nosso Sertão!

Isolar sem casos não permite que a população se imunize naturalmente. Mais na frente essa cidade provavelmente terá um pico de infecção em massa! Só valeria a pena fazer isso se tivéssemos uma perspectiva de vacinação a curto prazo, tipo 6 meses. Mas as estimativas otimistas parecem ser de cerca de 18 meses. O COVID (assim como zika, chikungunya, dengue, febre amarela, H1N1) veio para ficar.

Quem não se imunizar vai ter risco de pegar um novo ciclo em menos de um ano. E como evitar isso? Só evitamos o ciclo se 50-60% da população for imunizada. Já que a imunização por vacina não é possível a curto prazo, vamos analisar as opções. Os dados que nos chegam é que o COVID tem faixa de risco bem definida. Diferente do H1N1, que pega crianças e adultos, o COVID só ultrapassa mortalidade de 1% a partir dos 60 anos. Outro grupo de risco são pessoas com doenças crônicas. Então, pessoas fora desses grupos possuem muito baixo risco de morte (menor que 1%). Ou seja, maior o risco de morrer de acidente de carro ou em um assalto nas nossas grandes cidades. Essas pessoas de baixo risco poderiam ser expostas ao vírus para que possamos atingir um nível de imunização populacional que impeça novos ciclos.

Vão caber interpretações porque, como eu disse, as evidências definitivas não existem. Com base nos dados a que tive acesso, eu darei minha opinião de enfrentamento ao vírus. Mas, antes de colocar o passo a passo, preciso pontuar que alguns dados outros devem influenciar a taxa de transmissão e letalidade populacional. Exemplo: Petrolina é muito quente, de construção horizontalizada (pouquíssimos prédios), com baixa densidade populacional e com número pequeno de idosos (em comparação com Itália por exemplo). É muito razoável cientificamente que tenhamos taxa de transmissão mais baixa e também taxa geral de mortalidade mais baixa que os países europeus e as grandes cidades do mundo. De modo que transpor simplesmente dados da Itália, Espanha não levam em consideração características regionais muito relevantes.

Por isso minha sugestão era que Petrolina poderia ter aguardado um pouco e considerar lockdown apenas quando atingisse a fase 3 da epidemia, a fase de transmissão comunitária (em que a pessoa adoece por transmissão local, sem saber de quem pegou o vírus). Nesse meio tempo, através de cálculos estatísticos, Petrolina poderia dosar amostras representativas da população sintomática ou assintomática para monitoramento da presença de vírus. O ideal seria dosar todo mundo, mas os recursos são escassos. A ciência oferece meios de investigação de amostras para inferir dados populacionais! Fazemos isso todos os dias nos estudos populacionais e as mesmas técnicas poderiam ser utilizadas para vigilância epidemiológica na cidade.

Manteríamos, assim, o monitoramento amostral da presença do vírus na população. No momento da detecção de transmissão comunitária em crescimento logarítmico, poderíamos considerar o lockdown conforme ocorressem os casos nossa região. Teríamos como analisar a progressão de dados e inferir qual seria a nossa taxa de transmissão local, respeitando nossas particularidades regionais, e não simplesmente importando dados estrangeiros. Esse monitoramento amostral também determinaria o momento de retorno.

Durante todo esse tempo, praticaríamos o isolamento vertical, em que as pessoas de risco (idosos e com doenças crônicas) ficariam isolados. Esses grupos de risco teriam um monitoramento mais próximo, até com vacinação para influenza/H1N1 domiciliar. É possível? Se a gente foca os recursos em quem realmente se beneficia mais, temos maior chance de gastar bem! Pode ser que o dinheiro dê para atuar nesse grupo, mas não em todas as pessoas. Também prepararíamos o sistema de saúde para receber a demanda ampliada durante esse tempo de monitoramento!

Mas essa seria uma discussão teórica. Como eu disse, Petrolina já fechou há quase duas semanas, mas faz só dois dias que chegamos oficialmente à fase 2 da epidemia (transmissão local com fonte conhecida). Em Petrolina não há um único caso oficial no momento de transmissão comunitária, de fase 3. Então temos que partir da realidade atual, em que – na minha opinião – não temos certeza dos benefícios do lockdown, mas temos certeza dos impactos negativos que já começaram em nossa região. Impacto econômico já com demissões e vendas baixas, fechamento rodoviário e aeroviário (dificultando mobilidade de equipes de serviços essenciais e chegada de medicamentos importantes).

Agora que já estamos fechados há vários dias, o que faremos? A primeira regra da medicina é não fazer o mal! Se não há o benefício claro de ser mantido o lockdown em Petrolina neste momento, mas o malefício na economia já existe, teríamos que interromper.

Se a ideia era achatar a curva de contaminação e o lockdown tiver sido empregado no momento certo pelas autoridades locais, em abril já teríamos condições de voltar com os grupos de baixo risco para eles irem se imunizando e oferecerem a proteção sistêmica populacional para o retorno das pessoas de mais alto risco.

Por isso, minha opinião atual é de Petrolina voltar em abril com população de baixo risco e manter isolamento vertical das populações de risco. Mas desde já começar o monitoramento amostral da população para inferir sobre a presença do vírus na nossa população. Também, coordenar com Juazeiro (cidade irmã) ações conjuntas. Pela proximidade e íntima relação, não faz sentido termos medidas separadas.

Eu venho tentando dar minha opinião baseada no que tenho de melhor a oferecer, mas há uma disseminação do medo que em muitos provoca histeria. Até em grupos científicos, minha posição foi vítima de ataques que em nada foram sequer próximos ao que se espera de um debate científico construtivo. Como se houvesse um certo e um errado, o que não condiz com a boa prática da medicina, em especial em um cenário de ausência de evidências conclusivas.

Continuo atendendo pessoas e tenho visto pessoas amedrontadas, com sua saúde mental comprometida. Acompanho as medidas adotadas e me parece que o medo tem sido motivador das reações de parte do poder público e também no nível das relações interpessoais. Medicina se faz com critérios técnicos claros, mesmo sem garantia de resultados. Fazer medicina/epidemiologia baseada em medo ou critérios partidários nunca dará certo! Os efeitos serão nefastos!

Não tenho a pretensão de trazer a tábua da salvação. Mas preciso ao menos trazer o alerta contra o pensamento bitolado e a política do medo. Precisamos pensar, ponderar, repensar, criticar e agir com critérios.

O Sertão tem grande população pobre, que depende de fluxo de cada imediato e precisa trabalhar. Como na prescrição de medicamentos, temos que pesar custo-benefício em nossas ações.

Que as pessoas no poder público busquem soluções técnicas e acertem mais do que errem neste momento de incerteza e dificuldade!

E que Deus continue sempre por nós!

Abraços,
Anderson Armstrong/Médico cardiologista

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